15 maio 2006

Marmelete: O Cerro dos Picos

Nas entradas da freguesia arrecebe-se este comprimento

Q'ondo se chega às estremas de Marmelete é-se comprimentados desta manêra. Quem é que nã fica sast'fêto de ser arrecebido com uma coisa tã bonita e tã bem afêçoadinha...

Pôs ê cá, ô ver isto, dé-me logo vontade d' ir correr aquilo tudo. E fui. Quer d'zer, andí p'r lá a tarde intêra, mái nã vi nem das cem partes uma... E nã f'quí repeso, que, tã penas tenha ocasião, vô correr más. Ah, isso vô...

Aquilo até foi bem caçado. Vinha-se ali daquelas bandas da Varja do Farelo, tinha-se ido ver uns parentes qu' a minha Maria tem p' lá, e 'tava-se quái a chigar à Folga. Mal se vê a estrema da freguesia, vejo béque-me um marco com este desenho im cima.

Parí a b'cicleta a motor e vô-me ver. Gostí tanto qu' até tirí um retrato. E salta-me da boca:

- Maria, ê nã te disse que Marmelete, agora, já é ôt'a coisa? Isto, qualquer um que chega aqui, vê logo 'tá numa terra qu' é uma cat'goria... Nôt's temp's, é qu' eles faziam pôco da gente. Agora?!... Até vêem cá de gosto... E nã te parêce que morêce a pena?

- Sim, home, mái à'xelêa-me lá aqui, qu' ê nã posto o capacete bem e assim nã vejo nada com ele todo pendido p' à frente.

Diz-me ela, munto empeçada, p'r ca'sa do capacete l'e ter escorregado p' à cara com a travaja.

- Ó m'lher, atã põ's isto im cimba do lenço e despôs ele desanda-te p' à testa... 'Pera aí... Adonde é que 'tá a fivela? Pronto, já 'tá bem.

- Olha, 'tá bonito. Quem fez isto é crusidôso...

Ô meme tempo, olhí assim p'a norte, qu' ê tenho c'stume d' olhar ô astro p'a ver que tempo é que se vai ter, 'tava bem munto embrulhado mái ele nã chove. E o que vejo? Vejo o Cerro dos Picos, lá munto ô longe, inda desviado da gente mái duma hora a pé, bem umas duas. Mái de b'cicleta a m'tor é coisa aí duma mêa hora. P'a nã ir munto desengalgadoprê acima...

Pensí:

- Vô-me lá agora, que já nã m' alembro q'ondo lá fui a últ'ma vez...

- Maria, atã e s' a gente se fosse até além ôs Pic's ver aquilo? Ist' é d'mingo, inda é mêa tarde, os dias já sã grandinhos, que dizes?...

- E a gente dará lá chigado com a b'cicleta?...

Responde-me ela, toda acagaiçada, qu' aquilo a carrelêra é bem munto enpinada.

- Ora damos, atã com tantos anos qu' ê tenho d' andar de b'cicleta, inda nã dêxí d' ir a sito nenhum... E já alguma vez ela jogô a gente p' ô chão?... Nunca. 'Tá bem qu' aquilo tem lá uma ladêra temente, mái nã tenhas medo que chega-se lá bem.

- Foiteza é qu' ê cá nã tenho nenhuma...

Inda me disse ela quái com-m' quem d'zia que nã tinha lá munta vontade d' ir.

Más ê cá amontí-me na b'cicleta, ela nã teve ôt' remed'o senã amontar-se tamém e toca andar p'l' aquelas ladêras acima...

Q'ondo s' ia ali ô Enxameador prê acima, c'meçô a dêtar um torno de fumo do escaple e fazia uma urrada p'l' aquela chapada qu' até os porc's, daquelas curraletas que lá 'tão, se calaram tôd's... Isto p' a nã falar de q'ondo s' ia lá méme quái ô canto de cima, já perto do talefo. Punhana! Panha-se uma cova, a minha Famel-Zundap dá um pulo, jogo os pés ô travão, a minha Maria dá-me um cabeçadão com o capacete dela no meu, até vi estrelas...

Bom, tive qu' aparar. P' ali s' ajêtamos, ponho a Zundap a trabalhar ôtra vez, vô p'a arrencar, é o assobes... Patinava e nada. Digo p' à minha Maria:

- Vai andando até alem àquela alturinha que já t' amontas lá. Vá qu' ê leve-a à mão.

Ora, foi um descanço. Lá na alturinha, montames-se, meti-l'e uma pr'mêra, pus-l' o punho ô fundo, até estralava... Dôs sapêros, qu' andavam lá nos ares a avoar, até fugiram com medo. E, em men's de nada, se 'tava ô pé daquelas entenas que lá 'tão, béque-me dos telefones ó nã sê quem.

Aí é qu' ê gostí... Vistas c'm' àquelas é má d' haver. Via-se Lagos e Vila Nova quái c'm' se 't'vessem logo ali. Aqueles cerros tôd's d'rêto à barraja e d'rêto a Al'zur, coisa linda... E p' ô lado da Fóia?... Lobêras, Pé d' Frio, Corte Delfêra, Cerro da Madrinha, via-se tudo, tudo, tudo...

E inda há ôtra coisa qu' ê gosto naquele cerro. É aquele correpito ali im cima daquelas pedras, qu' é uma coisa bonita de se ver.

Q'ondo vô lá, tenho semp'e a mania d' assubir lá im cima. Mái, desta vez, a coisa nã me corré lá munto bem. Inda fui uns dôs ó três degraus, mái, despôs, arrecuí. Os ferros 'tavam tôd's podridos, vi-me lá em traquetes que pensí qu' aquilo s' ia partir tudo.

- Nã, nã! Toca a fugir daqui, entes qu' isto dê má resultado...

Pensí, enq'onto dava um salto cá p'ra baxo, qu' ia-me espatarrando im cimba da minha Maria. Pobrezinha, até panhô medo.

Ela, 'tava a apreciar aquilo tanto qu' até se desqueceu qu' inda se tinha que abalar prê abaxo e decer o cerro todo. Q'ondo s' alembrô, punhana!, más um nada e dava-l'e ali uma coisa... Ê vi logo qu' ela já 'tava enrascada a pensar naquela ladêra até à estrada de Marmelete.

Volta-se p'ra mim e diz, c'm' quem nã quer a coisa:

- Eh'q, ê cá, agora, gostava era d' ir a pé, ali prê abaxo p'l' aquela v'reda qeu' ê usava a passar q'ondo vinha da missa e tinha pressa de chigar a casa. Q'ondo tu inda nã tinhas a b'cicleta. Em men's de nada ê 'tava nas Bicas. Calhando, inda pr'mêro que tu.

Ela pensa qu' ê sô parvo, más ê vi logo qu' o qu' ela qu'ria era, com a desculpa d' ir p'lo encurtadoiro, furtar-se a ir amontada na Famel...

'Pera aí qu' ê já te digo...

- Nã senhora. Viemos os dôs, vai-de os dôs. Ó 'tás com medo? Se tens medo, à ôtra vez venho ê cá sòzinho... Dôs bêbados nã se largam um ô ôtro, q'onto más a gente...

- 'Tá bem, homem, nã t' apequentes. Logo vô por ali nôt'a ocasião. Ê até gosto d' ir amontada na b'cicleta p'a panhar aquela araja fresquinha na cara...

E atão, despôs de se andar mái um coisinho ali à roda da gurita, abalamos caminho da minha Famel. E olhem qu' aquilo, p'ra baxo, foi um consolo... Puse-a a deslise, nã gastí nem um destão de gasolina até à estrada de Marmelete.

Inda se foi à fonte das Bicas, más aquilo 'tá na desgraça... Tudo escalavardado, tudo marafado, até me dé desgosto. Tanta vez qu' a gente b'bia ali umas sedes d' água q'ondo s' ia a Marmelete a pé e, agora, des qu' a água nem tampôco 'tá capaz...

Ê cá b'bi na méma. Olha, se me fazer mal à barriga e ma dar p' aí alguma sôltura, logo se vê...

Más uma palavra l'es vô ê d'zer. Venham dar uns passêos p'r cá e vã ô Cerro dos Picos que nã ficam repesos. Se trazerem uma morenda, comam-na lá, se nã trazerem, vã até Marmelete, ôs Gralhos ó ô Cor' d' Vale qu' há lá umas casas que fazem um dec'mer do melhor que pode ser e haver. É daqui...

E hoje nã l'es digo mái nada, qu' inda tenho qu' ir ali alimpar um rego p'a trazer a água do tãinque da Pedra da Zorra p'a umas bejoarias que tenho p' ali. É qu' o tempo já vai quente. E, inda esta semana, calhando, tenho que regar umas batatas d' olho de perdiz que samií ali no cantêro do mêo.

Dés l'e dê saúde.

8 comentários:

  1. Muito interessante o tema desse blog...vivendo e aprendendo.
    Abs do Brasil

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  2. I love your website. It has a lot of great pictures and is very informative.
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  3. Meu coração também ficou em Marmelete, e penso voltar este verão com a família toda, para lhes mostrar um pouco de minhas raízes.

    Um abraço amigo deste monte bem longe, onde as serras não se vêem.

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  4. Marmelete é uma terrinha pequena mas muito acolhedora, eu sempre me senti bem recebida por lá!

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  5. Parabens pelo blogue. Sou natural de Marmelete, como tal, conheço bem os habitos e as tradições.

    Um beijinho para todos os meus conterrâneos e todos os meus familiares que trago no meu coração.

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  6. Parabéns por este blog! Está simplesmente genuíno.
    É um povo que trago no coração, sendo toda a minha familia proveniente deste cantinho muito caloroso.
    Cuidem bem dele!

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  7. É sempre agradável visitar este cantinho cheio de informação, sentindo vontade de divulgá-lo coloquei o link no meu blogue... espero que mais pessoas o venham visitar.

    Um abraço.

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  8. Olá boa tarde , andava a fazer uma pesquisa dos Picos , quando encontrei este blogue , o que achei muito interessante , por ocasião até tem uma foto do ponto mais alto dos Picos , o que por ocasião, a foto é do meu terreno , aproveito para dizer que é um sitio muito bonito para passear pois tenho um belo eucaliptal e bastantes Castanheiros que já estão a crescer , pois porque há alguns anos atraz ardeu tudo, mas a Mãe Natureza encarrega se tudo e já está tudo novamente verdejante , um bem haja para Marmelete Vitor Torrinha

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